A Câmara dos Deputados aprovou a principal bandeira popular do governo Luiz Inácio Lula da Silva: zerar o Imposto de Renda (IR) para cerca de 10 milhões de brasileiros com renda de até R$ 5 mil mensais
“Ricos no IR” é oportunidade de reconciliação establishment-sociedade

O que abre uma janela de oportunidade para o establishment político restabelecer pontes com a sociedade, reduzindo o espaço do populismo de direita — além de mitigar danos recentes à imagem do Congresso com o chamado “pacote da impunidade”, que levou a desaprovação do Legislativo, já a pior entre os Poderes, a bater recordes.
Agora, o bloco dirigente do Parlamento, o Centrão, tem a chance de surfar a onda da recuperação de popularidade da gestão federal, em sincronia com articulações entre os Três Poderes para se proteger de embargos e sanções externas, como a Lei Magnitsky. Nesse sentido, Lula afirmou nas redes sociais que a aprovação da reforma do IR foi “uma vitória compartilhada pelo governo do Brasil, as deputadas e deputados e pelos movimentos sociais”, agradecendo ao presidente da Câmara, Hugo Motta, e ao relator, Arthur Lira. Paralelamente, o megainvestidor Luis Stuhlberger, considerado “rei da Faria Lima”, descartou um “rali Tarcísio” no mercado acionário.
Com esse ganho de tração, o Executivo recuperou condições de pautar a agenda do País: pode deixar o Congresso se desgastar com discussões impopulares, como a anistia “light”, aproveitando os bônus indiretos sem se chamuscar; mas pode colocar em evidência medidas como o fim da escala 6×1 e a “PEC da Segurança”. Ao lado de operações de grande repercussão contra o “andar de cima” do crime organizado, essa PEC é vista com potencial para suplantar, na atenção pública, o pacote de segurança pública selecionado por Motta para ser votado nos próximos dias — enquanto poderia tramitar em sintonia, compartilhando ganhos político-eleitorais.

QUEM GANHOU?
Embora o placar unânime (493 deputados) tenha lembrado ao Brasil que Lira é o “comandante-em-chefe” do Centrão, o resultado deve ser lido como uma vitória do Palácio do Planalto, pois foi impulsionado por uma sequência de eventos que começou com campanhas digitais pela justiça tributária, passando pelo tarifaço americano, pelo crescimento de Lula nas pesquisas até a reação da opinião pública contra uma agenda avaliada como de autoproteção parlamentar.
Nessa esteira, Lula reoxigenou seu eleitorado fiel, retomou a bandeira anticorrupção, canalizou o latente sentimento antissistema da população e se reconectou com o centro e a classe média, conforme pesquisas recentes. Esse reposicionamento — que incluiu momentos de enfrentamento e distensionamento com o Congresso, na lógica de respeitar a autonomia dos Poderes — ampliou a capacidade do presidente de atrair forças políticas do campo do centro e da direita para 2026. Antes da votação da reforma do IR, ele recebeu entidades da sociedade civil que recolheram 1,5 milhão de assinaturas pela medida.
POLARIZAÇÃO GLOBAL
A reforma do IR no Brasil se insere em uma tendência mundial: a busca por justiça fiscal como alternativa a cortes de gastos sociais. Medidas semelhantes enfrentam resistência de grandes investidores e empresários — embora outros tenham assinado manifestos pedindo para serem taxados —, mas encontram amplo respaldo popular, como demonstra o caso francês. Em 2024, a declaração final do G20 exaltou a taxação de super-ricos para financiar o combate à fome. A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza já conta com mais de 100 países-membros.
No detalhe técnico, o texto de Lira garantiu isenção total para rendimentos de até R$ 5 mil mensais e parcial até R$ 7,3 mil. A compensação virá pela taxação de ganhos acima de R$ 600 mil anuais. Segundo a Câmara, a proposta estabelece um patamar mínimo de 10% do IR para cerca de 141,4 mil contribuintes de alta renda. Hoje, esse grupo paga, em média, apenas 2,5% sobre seus rendimentos totais. Trabalhadores em geral arcam com uma alíquota efetiva entre 9% e 11%.
O projeto segue para o Senado, onde a aprovação é vista como certa — assim como a resistência à anistia ou à dosimetria que beneficie o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Fonte: Idealpolitik / Por: Leopoldo Vieira