Entre a potabilização de água com energia solar em comunidades isoladas e a defesa de uma transição no transporte pesado rumo ao elétrico, a Rede/Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) e a Embaixada dos Povos estruturam uma agenda que parte da base, aposta em formação (juventude e mulheres) e mira decisões concretas no ciclo da COP em Belém.
Rede GTA: de água solar a caminhão elétrico, pressão por soluções

A Rede GTA cresceu de uma articulação forjada no calor da Rio-92 para uma malha que, segundo a coordenação, reúne hoje mais de quatrocentas organizações na Amazônia. Na entrevista ao Diário do Norte, a coordenadora geral Sila Mesquita e o sociólogo Adilson Vieira descrevem uma estratégia que combina soluções de campo — com impacto imediato no cotidiano — e pressão política para deslocar o debate climático da financeirização da natureza para a mudança real do sistema produtivo: menos fósseis, menos desmatamento e menos agrotóxicos.


Sila, militante desde os anos 1980 (Pastoral da Juventude, CEBs, CPT) e ex-gestora pública no Amazonas, hoje responde pela coordenação geral da GTA e pela articulação da Embaixada dos Povos, um espaço — não uma instituição — desenhado para mobilizar movimentos, dar voz a comunidades tradicionais e sustentar uma linha de frente anti-fósseis. “Se não discutirmos combustíveis fósseis, a COP vira só mais uma”, resume. A agenda que conduz passa por formação contínua: Juventude Amazônica por Justiça Climática (360h), Voz da Floresta – Ecofeminismo e a criação da Escola da Rede GTA, concebida para capacitar diretamente as bases.
No terreno das soluções concretas, Adilson relata a atuação do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Amazônico, em Manaus, voltado à pesquisa aplicada para a “Amazônia profunda”. Um dos exemplos é o sistema de potabilização de água com energia solar, que usa bomba e filtragem para inativar microrganismos e levar água segura a localidades sem rede elétrica. Na produção, o apoio a sistemas agroflorestais e a tecnologias simples melhora renda sem romper os modos de vida. A lógica é sempre a mesma: resolver problemas específicos com tecnologia adequada ao território.
Para ambos, o ponto nevrálgico da transição começa onde a poluição é maior: caminhões e ônibus a diesel. A proposta amarra três frentes — política pública de incentivo (com foco no autônomo), infraestrutura de recarga e presença industrial no país. “Dinheiro para continuar poluindo não resolve; precisamos mudar o sistema”, provoca Adilson. A campanha Gigantes Elétricos, citada por Sila, entra nesse tabuleiro como vitrine de viabilidade e como instrumento de pressão sobre governos e fabricantes.
A Embaixada dos Povos, em Belém, funciona como a “casa” dessa articulação: palco de debates, formação e convergência de redes (COIAB, CNS, MAB, MST, CONAQ, Malungu, FOSPA e Observatório do Clima, entre outras). Em setembro e novembro, a programação concentra diálogos, seminários e mobilizações, com destaque para o encontro do dia 18 de setembro, às 20h, com o Padre Júlio Lancelot, em conversa sobre justiça climática e justiça para todos. Durante a janela da COP, a Embaixada projeta ainda plenárias temáticas, marcha “Saúde e Clima” (11/11) e encontros de juventude.
Outro eixo recorrente na fala dos entrevistados é o direito a oportunidades no interior. Adilson critica políticas públicas que “levam” estruturas, mas restringem o horizonte formativo a poucos cursos. A defesa é por escolas e universidades com oferta ampla — de pedagogia a engenharia, de direito a tecnologia — para que jovens possam escolher sua vocação sem abandonar o território nem descaracterizar culturas locais. É uma leitura de justiça climática que inclui educação, saúde e trabalho dignos.
No financiamento climático, a GTA aponta um gargalo: a burocracia que favorece grandes organizações e deixa as pequenas na borda do balcão. A prioridade anunciada por Sila é democratizar o acesso a fundos (como Amazônia e Clima) com desenhos que cheguem às associações de base, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas — quem, na prática, segura a floresta em pé. “A juventude não é o futuro; é o presente”, insiste, ligando acesso a recursos, formação e incidência política.
Ao costurar pesquisa aplicada e mobilização social, a estratégia descrita por Sila Mesquita e Adilson Vieira recoloca a COP “no chão da Amazônia”: uma agenda que nasce de problemas reais (água, calor extremo, doenças respiratórias, diesel nas BRs) e escala em pressão pública organizada. O recado é direto: sem enfrentar petróleo e gás, a transição segue no papel; com base fortalecida, ela vira caminho.
Créditos: Lucas Miranda – Diário do Norte