Fome atinge mais Norte e Nordeste, famílias lideradas por mulheres negras e crianças, segundo dados do IBGE
Insegurança alimentar cai no Brasil, mas 54,7 milhões de pessoas ainda vivem nessa condição

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2024 revela uma redução no número de lares brasileiros em situação de insegurança alimentar (IA) em todos os níveis na comparação com o ano anterior. No entanto, o cenário de falta de acesso à nutrição adequada ainda foi vivenciado por 54,7 milhões de pessoas no território nacional.
Segundo os dados divulgados nesta sexta-feira (12) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano passado, 18,9 milhões de domicílios estavam com algum grau de IA, o que representa 24,2% do total. O número indica uma queda em relação a 2023, quando 21,1 milhões das moradias (27,6%) conviviam com o problema.
A insegurança alimentar leve, que envolve preocupação ou incerteza quanto ao acesso futuro a alimentos ou qualidade inadequada da dieta, passou de 18,2% dos domicílios em 2023 para 16,4% em 2024.

Nos cenários mais graves, a insegurança moderada — redução quantitativa de alimentos entre adultos — caiu de 5,3% para 4,5%. A forma mais severa, classificada como a que envolve menos alimentos também para crianças e adolescentes, diminuiu de 4,1% para 3,2% dos domicílios no período.
Cerca de 2,5 milhões de domicílios no Brasil passaram por privação quantitativa de alimentos (IA Grave), cenário em que há ruptura significativa nos padrões de alimentação e a fome está presente de maneira consistente.
Embora os dados não tragam uma análise qualitativa do que levou ao cenário, a analista do IBGE Maria Lúcia Vieira afirma que a retomada de políticas públicas pode ter influenciado os números.
“Vemos que nesse período algumas ações foram realizadas e houve melhora no mercado de trabalho e no rendimento das pessoas. Eu acho que alimento é a primeira coisa que as pessoas compram. Não conseguimos medir o impacto dos programas sociais, mas, sim, algum impacto certamente teve.”
Apesar da tendência de queda da escassez alimentar em todas as grandes regiões entre 2023 e 2024, as desigualdades regionais históricas de acesso aos alimentos se mantiveram. As regiões Norte e Nordeste apresentam as piores condições.
Nesses territórios foram registrados os menores percentuais de domicílios em situação de Segurança Alimentar (SA), com 62,4% e 65,2%, respectivamente. Em contrapartida, essas regiões detêm as maiores proporções de domicílios em insegurança alimentar. No Norte: 6,3% dos domicílios sofriam com falta de alimentos em nível grave e no Nordeste o índice chegou a 4,8%.
A região Sul teve a menor taxa de IA Grave (1,7%), seguida pelo Sudeste (2,3%). Em termos absolutos, a concentração de domicílios em com algum nível de falta de alimentação adequada é notável nas regiões mais populosas: 38,0% dos domicílios em IA estavam localizados no Nordeste (7,181 milhões de domicílios) e 35,0% estavam no Sudeste (6,623 milhões de residências).
Renda, cor e gênero aprofundam a vulnerabilidade
A maioria dos domicílios em situação de insegurança alimentar (59,9%) tinha mulheres como a pessoa responsável. Embora as mulheres sejam responsáveis por 51,8% dos domicílios totais, sua participação nos lares com vulnerabilidade alimentar é 19,8 pontos percentuais (p.p.) maior que a dos homens (40,1%). A falta moderada de alimentos foi o grau que apresentou a maior diferença (61,9% para mulheres e 38,1% para homens).

Na perspectiva racial, do total de domicílios em situação de insegurança alimentar (todos os graus), 70,4% tinham pessoas pretas ou pardas como responsáveis. A distribuição desses domicílios em IA era: parda (54,7%), branca (28,5%) e preta (15,7%).

A disparidade é ainda mais acentuada no contexto da IA Grave: a participação de famílias com pessoa responsável de cor parda é de 56,9%, mais que o dobro da parcela de domicílios cujo responsável é de cor branca (24,4%).
Há ainda uma forte associação entre baixa escolaridade do responsável e insegurança alimentar, assim como o baixo rendimento. Os domicílios em escassez alimentar moderada ou grave se concentraram nos grupos com renda per capita de até um salário mínimo. Eles correspondem a 41,0% do total de domicílios do país, mas são 71,9% dos casos de fome moderada ou grave.

Infância e adolescência
A análise de distribuição dos moradores por grupos de idade, observou-se que as maiores prevalências de IA grave se concentram nas faixas etárias mais jovens: Entre crianças de 5 a 17 anos, 3,8% viviam em domicílios com IA grave.
Já na faixa etária de 0 a 4 anos: 3,3% estavam nessa condição. Na população de 65 anos ou mais esta proporção foi de 2,3%. A presença de moradores com menos de 5 anos de idade esteve consistentemente associada às menores prevalências de SA e às maiores de IA em todos os níveis.
A IA Grave, por definição da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), é a situação onde a redução quantitativa de alimentos atinge também as crianças. Em 2024, todos os 2,5 milhões de domicílios em IA grave passaram por privação quantitativa que atingiu crianças e adolescentes.
Como a pesquisa é feita?
O levantamento sobre a Segurança Alimentar em 2024 foi conduzido pela PNAD Contínua no quarto trimestre de 2024. A pesquisa se baseia na EBIA, um instrumento com quatro graus de escala que mede a percepção cotidiana das famílias sobre a segurança alimentar e nutricional.
As respostas coletadas se referem aos 90 dias anteriores à data da entrevista. Ou seja, como as equipes do IBGE foram a campo em outubro, novembro e dezembro de 2024, os dados são referentes à realidade vivida entre julho e dezembro, a depender da data de cada consulta realizada.
Para classificar o nível de Segurança Alimentar de cada família é aplicado um questionário de 14 perguntas do tipo “sim” ou “não”. Elas abordam a preocupação ou incerteza em relação ao acesso futuro a alimentos e a vivência da fome em si. Cada resposta afirmativa recebe um ponto, e o resultado final classifica o domicílio em um dos quatro graus da escala.
Por exemplo, em estágios mais graves, as perguntas incluem se houve redução quantitativa de alimentos ou se as pessoas chegaram a ficar um dia sem comer, o que está associado aos níveis severos de insegurança alimentar.
Outro ponto relevante da metodologia é o fato de que a classificação e os pontos de corte são diferentes para domicílios com a presença de pessoas com menos de 18 anos na comparação com aqueles compostos apenas por adultos. Isso ocorre porque, quando a restrição alimentar chega a atingir crianças e adolescentes, a situação é considerada ainda mais crítica.
Fonte: Brasil De Fato / Editado por: Maria Teresa Cruz