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A saída parlamentarista

A democracia brasileira enfrenta uma crise de legitimidade. Apesar de 67% da população considerar a democracia preferível a regimes autoritários, 55% expressam insatisfação com seu funcionamento, segundo pesquisa do Ipespe.

Alguns falam em crise econômica, mas os números desmentem essa ilação. A inflação desacelera mês a mês e as projeções são de queda. O IPCA, segundo o Boletim Focus, recuou pela décima vez em 11 semanas, agora em 5,2%. Apesar de acima da meta, a tendência é de queda, impulsionada pela valorização do real — o dólar caiu 12,08% no semestre. Alimentos também registram alívio: no IPCA-15, o ovo teve queda de 7%. O desemprego está em 6,2%, o menor da série, e o PIB deve crescer 2,2%. A crise fiscal por sua vez, está aí desde sempre e não tem solução de curto prazo. Se crise fiscal matasse algum país, os Estados Unidos estariam mortos há décadas.
O cerne da crise, portanto, é político. O paradoxo de um país em crescimento mas paralisado politicamente reflete o esgotamento do presidencialismo de coalizão, que transformou a governabilidade em um jogo de barganha, um cassino, minando a eficiência do Estado e a confiança popular em qualquer governo. A solução para essa crise política só pode ser política. Nesse caso, na adoção de um outro paradigma de governança, o parlamentarismo, sistema capaz de restaurar a representatividade e a estabilidade política.
Chamo ao modelo político vigente no Brasil de “presidencialismo congressual”, que consiste na deliberada usurpação do poder do presidente pelo parlamento justo na execução orçamentária. Há quem fale em semi-parlamentarismo ou semi-presidencialismo, mas ambos os conceitos não se sustentam. A definição de presidencialismo congressual ou congressualismo, que passei a usar em 2019, descrevem melhor essa realidade, de um parlamento cheio de poderes, que manieta o executivo, manobra recurso bilionários mas não têm nenhuma das responsabilidades típicas dos gestores.
Nascido com Temer e fortalecido com Bolsonaro, esse presidencialismo sui generis, caracterizado pela necessidade de o Executivo negociar apoio parlamentar para cada votação, criou um ciclo perverso. Para garantir maioria, presidentes distribuem cargos, emendas orçamentárias e recursos de fundos partidários, onde o interesse público é subordinado a acordos fisiológicos. O mensalão instituído no passado pelos tucanos foi substituído por emendas impositivas e fundos que financiam a política. O resultado é um presidencialismo disfuncional, onde o presidente é eleito, mas o legislativo, dominado por caciques partidários empoderados e milionários, sequestra a agenda nacional, priorizando projetos clientelistas em detrimento de políticas estruturantes. Essa dinâmica permite ao legislativo pressionar, derrubar governos e depor presidentes, sem que ele próprio sofra consequências.
Esse modelo é não apenas ineficiente, mas também excludente. A distribuição de recursos conforme o tamanho das bancadas favorece oligarquias partidárias, dificultando a renovação política. Enquanto em países como a França, ascensões disruptivas, como a de Emmanuel Macron, são possíveis, no Brasil a estrutura rígida inviabiliza candidaturas independentes e novas lideranças dependem do aval das elites partidárias. Resultado: 40% da população vê falhas graves na participação política e na liberdade de expressão.
O parlamentarismo é uma alternativa viável para superar essa paralisia. Nos países que adotam o sistema parlamentarista – em vigor na maioria dos países desenvolvidos – o chefe de governo é escolhido pela maioria legislativa e pode ser substituído sem traumas institucionais, garantindo continuidade administrativa mesmo em crises. Essa flexibilidade evita os impasses típicos do presidencialismo, onde conflitos entre Executivo e Legislativo geram ingovernabilidade, manifestados em frequentes pedidos de impeachment e paralisações.
Além disso, o parlamentarismo incentiva coalizões e a negociação contínua, o que estimula um ambiente político mais colaborativo e produtivo. A mudança para um sistema parlamentarista ajudaria, dessa forma, a restaurar a confiança do eleitor, permitindo uma governança mais eficiente e representativa, e, assim, revitalizar a democracia brasileira. Mas quem colocará o guizo no gato?

Chico Cavalcante é jornalista, escritor e consultor político

Chico Cavalcante

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