Meus pêsames.

O presidencialismo de coalizão não está mais entre nós.

Por Chico Cavalcante

A máxima de Camões, “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, parece ter sido feita para descrever o cenário político brasileiro atual.

O golpe institucional que destituiu a presidente Dilma Rousseff marcou o início de uma mudança silenciosa de regime, que desmantelou a estrutura de poder vigente até então. Desde a queda de Dilma, o Congresso Nacional vem exercendo uma influência crescente e desproporcional sobre o Executivo. Um exemplo claro foi a recente derrubada do decreto do novo I.O.F., um ato que prejudica a maioria dos brasileiros e expõe a fragilidade do governo, mesmo após a liberação de mais de 1 bilhão em emendas parlamentares para garantir sua aprovação.

Este enfraquecimento do Executivo não é um evento isolado, nem tem a ver única e exclusivamente com o fato do presidente ser Lula. Ele é resultado de um pacto firmado após o impeachment.

Para o ex-presidente Michel Têmer ficar com os dedos, precisou entregar todos os anéis ao parlamento. Assim, pela primeira vez, a separação de poderes foi desfeita, e, com Temer, o Congresso assumiu o protagonismo no jogo político e no controle orçamentário, criando o que pode se chamar de presidencialismo congressual, onde o presidente torna-se refém do Legislativo.

Neste novo arranjo, o Congresso não apenas influencia, mas dita toda à agenda política e econômica, exercendo o poder executivo sem a devida responsabilidade – seja fiscal, institucional ou ético-moral.

O Executivo, por sua vez, é reduzido a uma sombra, pressionado a buscar apoio sem garantias de reciprocidade.

Originalmente, a Constituição Federal atribui ao Congresso as funções de legislar e fiscalizar o Executivo. Contudo, essas atribuições foram estrapoladas em favor de uma prática não prevista: a função de execução orçamentaria. Deputados e senadores passaram a ter poder de decisão sobre obras e de enviar recursos, a fundo perdido, para suas bases eleitorais, configurando um processo contínuo e legalizado de compra de votos com dinheiro público.

A prerrogativa de “execução”, própria do Executivo, foi gradualmente transferida ao Legislativo, criando uma anomalia institucional inédita em democracias consolidadas.

Essa transformação não é conjuntural, mas uma mudança orgânica e institucionalizada, iniciada por Temer e aprofundada durante o desgoverno Bolsonaro.

O Congresso tornou-se um agente autônomo, capturado por interesses do mercado financeiro e do agronegócio, dentre outros, refletindo a fragilidade das instituições que deveriam servir à população.

Paralelamente, a política voltada ao interesse público foi deslegitimada. O “orçamento secreto” é um exemplo explícito de como o Legislativo se distanciou de suas obrigações coletivas para se tornar um sindicato de interesses privados.

Com o enfraquecimento de organizações da sociedade civil, como os sindicatos, o espaço público foi dominado por grupos que, através do Congresso, defendem pautas particulares.

Nesse cenário, o presidente da República é forçado a se aliar a forças que não representam a maioria dos eleitores que o elegeram. Emendas bilionárias e fundos partidário e eleitoral, transformam parlamentares em máquinas de pressão sobre prefeitos e de coação econômica sobre a população carente.

A estratégia de aliança com a direita para conter a extrema-direita nas últimas eleições provou-se insustentável; os mesmos partidos que se diziam aliados agora minam a autoridade do governo Lula. E o fariam fosse quem fosse o presidente.

É urgente a criação de um novo paradigma. O governo busca reverter a situação, mas isso exige uma reavaliação tática e um novo arranjo de forças. A esquerda precisa repensar suas estratégias e formar uma coalizão mais coesa, heterogênea do ponto de vista partidário e homogênea do ponto de vista programático, que resgate a capacidade do Executivo de governar com base na mobilização popular e no diálogo direto com as demandas da sociedade.

A transição silenciosa para um presidencialismo congressual revela que o modelo político brasileiro perdeu a validade. O caminho entre um presidencialismo sem poder e um congressualismo sem responsabilidade, é um beco sem saída. Para reverter o quadro de paralisia e chantagem, é essencial fortalecer as instituições, melhorar a relação entre Executivo e sociedade civil e dar voz às demandas populares. O executivo não tem poder de pressionar o legislativo. Apenas o povo na rua pode fazê-lo. Caso contrário, o Brasil corre o risco de afundar em um ciclo de improdutividade política e impotência governamental, independentemente de quem ocupe a presidência.

A proteção da democracia deveria ser uma responsabilidade coletiva. Mas não é. Somente com o engajamento de amplas camadas da sociedade será possível reconstruir uma governabilidade que atenda aos interesses do povo, e não apenas da elite endinheirada.

O futuro da democracia brasileira depende da superação do pacto que transformou nosso sistema político em um cassino onde a casa (ou seja, os donos do dinheiro) sempre ganham.

Chico Cavalcante é jornalista, escritor e consultor político.

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